sexta-feira, 1 de maio de 2009

CRONOLOGIA DA GUERRA COLONIAL



Anda por aí muita gente de memória curta, muito provavelmente porque a guerra do ultramar que nos atravessou durante anos, não os afectou directa ou indirectamente.

Tenho cinquenta e nove anos, e a minha juventude foi passada bem, felizmente, mas sempre em sobressalto porque sabia que quando chegasse a minha hora, estaria a cumprir, não sei se com a minha obrigação se com a obrigação dos outros. Quisesse ou não, o meu dever era servir a Pátria e defender aquilo que me diziam que era nosso.

Nosso? Não sei, meu nunca foi! Nosso? Tenho muitas dúvidas, muitas mesmo.

Vou contar-vos um pequeno episódio que se passou comigo em Lisboa, ainda antes do 25 de Abril de 74.





Numa bela noite de um ano já longínquo mas que não recordo qual, resolvi ir ao cinema com a família para ver um filme que também já se me varreu da memória. Lembro-me pelo menos que o cinema era o velho S. Jorge, em plena Av. Da Liberdade, curiosamente.

Aliás, depois do episódio que a seguir vos conto, nada mais haveria para recordar.

Chegado o intervalo, disse a minha mulher que tinha necessidade de ir ao WC, o que fiz. Precisamente nessa altura, estando viradinho para o urinol que me tinha calhado em sorte, ouvi uma voz rouca ao meu lado que me disse: Olá rapaz, finalmente viemos encontrar-nos por aqui ao fim de tantos anos. Que sítio estranho para este encontro!!!

Desviei o olhar da parede e percebi que a meu lado estava um saudoso colega de liceu e até de carteira. O Jorge (nome fictício), tal como eu, descarregava as suas necessidades a meio do filme.






Na ânsia de nos cumprimentar-mos, o meu amigo Jorge, descuidou-se e deixou-se encostar lentamente à parede que sustinha o urinol.

- Credo Jorge, estás bem?

- Estou companheiro, desculpa mas desde que estou assim, o meu equilíbrio não é lá muito eficaz!

- Assim como, perguntei eu. É que o meu amigo Jorge ainda não se tinha refeito desse desequilíbrio e eu ainda não tinha conseguido vê-lo bem de frente.

- Assim respondeu-me, depois de se ter recomposto e de se ter virado para mim.

O meu amigo Jorge, tinha uma perna artificial, uma vista cega e o braço direito bastante danificado, e a mão…

Fiquei sem fala. Durante alguns minutos não consegui articular palavra.

Quebrou o gelo o meu amigo Jorge, que meio a sério meio a brincar me foi dizendo:

- Calma rapaz, podia ter sido pior. A mina atingiu-nos a todos e só eu e outro escapámos. Por isso, companheiro, dou graças a Deus porque estou vivo! Menor sorte tiveram mais quatro ou cinco companheiros que perderam a vida naquela emboscada em Angola.





Naquele dia, compreendi a verdadeira dimensão de uma guerra colonial que nos impuseram, a troco não sei do quê, nem em prol de quem.

Como o meu amigo Jorge, ficaram muitos antigos combatentes, e sorte, sorte tive eu que estou inteirinho e incólume.

Confesso-vos que na altura tive vergonha de estar rijo e de perfeita saúde ao pé de quem quase deu a vida por uma causa que não era bem nossa. Logo o Jorge, a quem me tinha habituado a ver a correr e a saltar com os demais no pátio do nosso liceu. A quem me tinha habituado a ver namoriscando por entre as folhas das plantas que circundavam a Igreja dos Anjos.

É por isto, que vos deixo a transcrição da página que encontrei na Net, de alguém que resolveu passar à escrita, a tal dimensão de uma guerra colonial que seria bom nunca perder-mos de vista.





Parece, ao fim destes anos todos, que o tempo se tem encarregue de a apagar das nossas memórias, mas quero fazer parte das vozes que ainda se levantam para lembrar o que realmente se passou. Pela minha parte, cumpri com o meu dever, e os meus filhos, embora não tivessem passado por tão difíceis momentos, nem guerras, sabem bem o que o 25 de Abril representou para este país.

Se hoje podemos celebrar este 1º de Maio, Dia do Trabalhador em Liberdade, não esqueçamos que foram muitos que pagaram a factura desta Liberdade.






CRONOLOGIA DA GUERRA COLONIAL


Já está nas livrarias o livro de José Brandão a Cronologia da Guerra Colonial, da Editora Prefácio.


Trata-se de um livro com 454 páginas e que é apresentado conforme introdução:





INTRODUÇÃO

Esta é a cronologia de um dos períodos mais inquietantes da vida dos portugueses.

São os anos entre 1961 e 1974 nos quais Portugal mergulhou numa guerra para alguns do Ultramar para outros Colonial.

São treze anos de ansiedade, sofrimento e morte que atingiram praticamente todas as famílias portuguesas com consequências que ainda hoje perduram.

Guerra que mobilizou mais de 800 mil combatentes da chamada Metrópole enviados para as distantes e desconhecidas matas de África onde alastrava a revolta apoiada por alguns países próximos.

Em Angola, a partir de 4 de Fevereiro de 1961, na Guiné, a partir de 23 de Janeiro de 1963, em Moçambique, a partir de 25 de Setembro de 1964, a guerra é declarada pelos movimentos de libertação nacional que teimam em levar por diante o seu propósito de total independência do domínio colonial europeu.

Pela parte portuguesa, a guerra era sustentada pelo princípio político de defesa daquilo que era considerado território nacional, baseado no conceito de nação pluricontinental e multirracial. Pela parte dos movimentos de libertação, a guerra justificava-se pelo inalienável princípio da autodeterminação e independência, num quadro internacional de apoio e incentivo à sua luta.

Guerrilheiros, ou terroristas – conforme a atitude política – resistem num terreno que lhes é familiar causando baixas nas Forças Armadas portuguesas como nunca se vira antes.

Segundo o Estado-Maior General das Forças Armadas, morreram na Guerra de África 8.831 militares portugueses. Destas quase nove mil baixas, 3.455 aconteceram em Angola, 2.240 na Guiné e 3.136 em Moçambique.

O Exército, ramo militar sobre o qual recaiu a maior parte do trabalho bélico, teve à sua conta a quase totalidade dos mortos – 8.290 homens. A Força Aérea, por seu turno, contou em 346 as suas perdas e a Marinha de Guerra enterrou 195 dos seus elementos.

De acordo com a mesma fonte, 4.280 militares (48,5 por cento) morreram em resultado directo de acções de combate e 4.551 (51,5 por cento) em acidentes e doenças. Estas duas últimas causas de morte devem ser encaradas com reservas, já que havia na época a intenção clara de diminuir o número de baixas em combate tornado público.

Com cerca de 9.000 mortos, cerca de 30.000 feridos evacuados, em mais de 100.000 doentes e feridos, dos quais resultaram perto de 14.000 deficientes físicos, (5.120 com grau de deficiência superior a 60 por cento) e ainda, possivelmente, 140.000 neuróticos de guerra, rara é a família portuguesa que não foi ferida pela Guerra de África. Os telegramas do Ministro do Exército a apresentar «mais sentidas condolências» pela morte «por motivo combate defesa da Pátria» de «seu filho soldado fulano tal», chegavam aos lares dos portugueses semeando a dor da perda de um filho, marido, pai, irmão ou outro grau de familiaridade existente.





Sucediam-se os comunicados militares que diariamente o Ministério da Guerra mandava publicar nos jornais. "O Serviço de Informações Públicas das Forças Armadas comunica que morreram em combate, na Província de Angola, os seguintes militares:" e seguiam-se os nomes de mais uns tantos que, naquele ano, entre a noite de Natal e a de fim de ano, não iriam aparecer na TV, a desejar festas felizes.

Moçambique foi o teatro de operações onde morreram mais militares em combate (1.569 em 10 anos de guerra), seguindo-se Angola (1.360 em 13 anos) e a Guiné (1.342 em 11 anos). Tendo em conta a duração da guerra em cada um dos teatros de operações, as tropas portuguesas sofreram por ano 157 mortos em combate em Moçambique, 122 na Guiné e 105 em Angola.

Quanto ao número total de mortos, independentemente das causas oficiais da morte, as Forças Armadas portuguesas sofreram por ano 285 baixas mortais em Moçambique, 246 em Angola e 186 na Guiné.

Do total de mortos nas três guerras, cerca de 70 por cento eram expedicionários recrutados na chamada Metrópole. No conjunto das três frentes de guerra, entre 1961 e 1974, morreram em média 630 militares portugueses por ano.

E se os custos humanos foram de grandes dimensões para um pequeno velho país de menos de 10 milhões de habitantes, as perdas materiais atingiram um nível muito próximo do colapso económico. O esvaziamento dos recursos financeiros para a sustentação da guerra foi equivalente, ao longo dos treze anos de conflito armado, a uma média de trinta e três por cento do Orçamento do Estado, tendo-se ultrapassado, em toda a segunda metade da década de 60, os quarenta por cento.





A cronologia que se segue pretende realçar esses treze anos da guerra de África com a exposição de alguns dos acontecimentos mais notórios ocorridos durante este período e, em paralelo, apresentar aquela que é a mais completa listagem, compilada ano a ano, de todos os que morreram nas três frentes de guerra.

Dia após dia são relatados os factos do quotidiano militar nos três cenários de guerra, com especial relevo para os dias em que se registam nas forças portuguesas pelo menos duas baixas mortais em combate, procurando-se sempre que possível indicar o batalhão ou a companhia a que pertenciam esses militares.

De igual modo se procede com a morte de militares de hierarquia acima de alferes ou com acidentes cuja dimensão ou impacto justificam referência.

Tudo isto resulta na identificação de mais de 3.000 combatentes com dados e em moldes até agora nunca exibidos em contagens feitas às baixas em campanha.

Em números redondos, morreram nas três guerras de África: 1 general, 2 brigadeiros, 3 coronéis, 15 tenentes-coronéis, 22 majores, 100 capitães, 40 tenentes, 300 alferes, 900 sargentos e furriéis, 1.600 cabos e 5.500 soldados e marinheiros.

No final de cada um dos 13 anos desta cronologia estão listagens de todas as mortes ocorridas no ano em causa, ordenadas por data e expostas em separado por cada frente de combate. Com Angola a partir de 1961. Guiné a partir de 1963 e Moçambique a partir de 1964.

Nessas listagens constam: Nome – Posto – Data da Ocorrência – Causa da morte – Unidade Mobilizadora – Ramo e Naturalidade de cada um dos falecidos nos 13 anos de guerra.

É, na verdade, uma tarefa exaustiva de um evento histórico em que o autor foi um entre muitos milhares de participantes.

Convém sublinhar que este é um trabalho centrado sobre a guerra em si mesma, embora procure enquadrar alguns aspectos mais significativos do dia-a-dia comum como sejam: as lutas laborais, as lutas estudantis e as movimentações políticas, sociais e culturais que acontecem no decurso destes 13 anos.





A eventualidade de qualquer erro num projecto desta dimensão não retira a utilidade desta iniciativa enquanto instrumento de trabalho como são todas as cronologias. O que aqui fica poderá ser modesto na sua grandeza, mas é seguramente ambicioso no seu propósito: recordar e honrar os que morreram «lá longe, onde o Sol castiga mais».





http://ultramar.terraweb.biz/06livros_JoseBrandao.htm






Fotos da Net

GOLDFINGER

3 comentários:

Maria disse...

Estou para aqui "encalacrada" porque não sei o que te hei-de dizer.
Tive familiares na guerra colonial, várias missões porque eram militares de profissão, tive colegas e amigos lá, uns voltaram outros ficaram debaixo da terra que os viu morrer, lá. Alguns dos que voltaram vieram estropiados.
Percebo muito bem o que dizes e o choque que tiveste, perturba-me que ainda por cima agradeçam o facto de "terem ficado só assim"...
Os tempos eram outros. Também por isto se fez o 25 de Abril.
Mas a hora é de comemorar Maio, o 1º de Maio. E Abril de novo, em Maio.

Deixo-te um abraço, comovida...

São disse...

Parabéns!
É importante recordar a tragédia da guerra, por várias razões.

VIVA O 1º de MAIO!!

Excelente fim de semana prolongado para ti e para os teus, Amigo!

Elvira Carvalho disse...

Em África acompanhando o marido militar, e pertencendo à Cáritas, eu vi muita coisa, e soube de muita coisa. E tive um primo, que ficou sem pernas em Angola, atingido por uma mina. Na altura sobreviveu, mas acabou por morrer dez anos mais tarde.
Eu NUNCA esquecerei.
Um abraço e bom fim de semana