terça-feira, 7 de abril de 2009

FALANDO DE ANIVERSÁRIOS, LEMBREI-ME DO MEU…



Aniversário

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

Sim, o que fui de suposto a mim mesmo,
O que fui de coração e parentesco.
O que fui de serões de meia província,
O que fui de amarem-me e eu ser menino,
O que fui — ai, meu Deus!, o que só hoje sei que fui...
A que distância!...
(Nem o acho... )
O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!

O que eu sou hoje é como a umidade no corredor do fim da casa,
Pondo grelado nas paredes...
O que eu sou hoje (e a casa dos que me amaram treme através das minhas lágrimas),
O que eu sou hoje é terem vendido a casa,
É terem morrido todos,
É estar eu sobrevivente a mim mesmo como um fósforo frio...

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos ...
Que meu amor, como uma pessoa, esse tempo!
Desejo físico da alma de se encontrar ali outra vez,
Por uma viagem metafísica e carnal,
Com uma dualidade de eu para mim...
Comer o passado como pão de fome, sem tempo de manteiga nos dentes!

Vejo tudo outra vez com uma nitidez que me cega para o que há aqui...
A mesa posta com mais lugares, com melhores desenhos na loiça, com mais copos,
O aparador com muitas coisas — doces, frutas, o resto na sombra debaixo do alçado,
As tias velhas, os primos diferentes, e tudo era por minha causa,
No tempo em que festejavam o dia dos meus anos...

Pára, meu coração!
Não penses! Deixa o pensar na cabeça!
Ó meu Deus, meu Deus, meu Deus!
Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira! ...

O tempo em que festejavam o dia dos meus anos!...

Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa

Foto da Net

GOLDFINGER

7 comentários:

Maria disse...

E deixas-nos de presente este belíssimo poema de Álvaro de Campos...
Havemos de festejar sempre o nosso dia de anos. É sinal que estamos vivos!

Parabéns! E que passes um dia bom, com saúde!

Um abraço apertado e um beijinho

FERNANDINHA & POEMAS disse...

QUERIDO GOLD... PARABÉNS POR MAIS UM ANINHO AMIGO... LINDO POEMA DE ÁLVARO DE CAMPOS... BEM ESCOLHIDO... DESEJO-TE QUE ESTE DIA SEJA ESPECIAL... É BOM FAZER ANOS... EU GOSTO... É SINAL QUE ANDAMOS POR AQUI...MAIS UMA VEZ UM DIA FELIZ... MUITOS BEIJINHOS E UM GRANDE ABRAÇO DE AMIZADE,
FERNANDINHA

Mare Liberum disse...

Este é um dos poemas que trago comigo. Sempre! Vivo de recordações de um passado lindíssimo que não volta mais embora tenha uma vida de que não me posso queixar. Muito boa!

Obrigada, amigo, por me teres trazido este presentinho tão bonito.

Bem-hajas!

Beijinhos mil

Fatima disse...

Muitos parabéns!
Que nos encontremos aqui por muitos e bons anos!

Branca disse...

Parabéns meu amigo.
Espero que estejas bem e que o dia do teu aniversário tenha sido óptimo.
Bonito poema de Fernando Pessoa com que nos brindaste!
Saúde e muitos beijinhos para ti.
Branca

Rakel Macedo disse...

Bom, que poema mais bonito e mais triste...

Fartei-me de chorar... Coisa banal aliás na última semana...

Dalinha Catunda disse...

Meu amigo uma Feliz Páscoa, adorei o post, belo poema.
Carinhosamente,
Dalinha