quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

TRÊS COSTUMES MINHOTOS



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Nestes antigos escritos um pouco sem pretensão de estudo sério, não me referi a qualquer destrinça entre magia branca e magia negra. Vou hoje contar-lhes três costumes minhotos que podem perfeitamente filiar-se na chamada magia branca, que é, no dizer de uma célebre «curandeira» da minha terra – tudo quanto se faz em nome dos santinhos e pela bendita graça do Senhor.

Consultando alguns apontamentos que possuo sobre crenças, superstições e costumes da minha gente, destaquei três por me parecerem curiosos.

São eles: - Passar o menino ao vime: o defumadouro; os baptizados da meia-noite.






PASSAR O MENINO AO VIME

Não sabem o que é passar o menino ao vime? Na noite de São João, pela meia-noite?

O menino fez os três mesinhos e não levanta a cabeça. Tomba, flácido, mole, dobrando-se no regaço da mãe aflita. Logo, o menino está quebrado. Alguma «má olhadura» o quebrou, «invejidade» de vizinha estéril ou «tardo» que janelo, postigo mal fechado às noites negras em que anda solto, deixou penetrar. O «tardo» minhoto, o «trasmo» galego – «coisa» tão horrível que ninguém define, mas que, pelo menos, se sabe que voa, ameaçadora, maléfica, em certas ocasiões…

Ora. Está quebrado o menino, é preciso passá-lo ao vime, mas só em noite de São João pela meia-noite. São precisos três Joões com vime e três Marias virgens, a fiar.

Perguntam os Joões_ - «Que fias, Maria?» Respondem elas movendo, lestas o fuso: - «Linho asseado para atar o menino quebrado.»

Abrem o vime e entre ele passa o menino. Atam depois o vime com o linho que as Marias vão fiando.

Se o vime pegar; o menino fica curado.

Se não pegar…







O DEFUMADOURO

Se não pegar… talvez não esteja quebrado, mas «dê nele o demónio mentirosa aparência dum mal quando é outro que lhe consome as entranhas», segundo diz a mesma curandeira da minha terra.

Remédio? Defuma-se o menino com alecrim, mirra e incenso, tudo junto ardendo em caçarola de barro.

- «Fulano! Deus te deu. Deus te criou, Deus te desenfeitice de quem te enfeitiçou, Deus te desacanhe de quem te acanhou, Deus te desenleie de quem te enleou.

Fulano! Tu, criatura de Deus onde a inocência ainda é natural, eu te defumo e livro de todo o mal, empecido ou esteja para emepecer. Nenhum mau fluido to possa fazer. A esta cruz vais obedecer.

Sai, sai, sai! «Que a luz do Sol te possa ver!»

A malga de barro fumegante passeia, em cruz, ao longo do corpinho do mole.

- «Pelo corpo e pensamento. Por tudo o que lá tens dentro. Pelas três missas do Natal, para que homem ou mulher não te possa fazer mal.

Donde o mau espírito mora, se ausente desse sangue para fora. Assim defumaram divino Jesus! Sai, sai, sai! Ele te veja a luz.

Em louvor de São Silvestre.

Tudo o que fiz tudo te preste.»

Bom sinal se a cinza é clara, mau se sai negra. A cinza é deitada ao mar para que não possa levar mala a ninguém, a não ser que sirva de instrumento de vingança. Então deita-se à porta da vítima.

-«Esta cinza pisarás, tu atrás não tornarás, o mal que outros fazem pagarás.»







OS BAPTIZADOS DA MEIA-NOITE

Mulheres atreitas a partos difíceis, mormente aos nado-mortos, das freguesias ribeirinhas ou de lugares serranos, em noites de chuva ou de luar… lá vão… A velha superstição arrasta-as, pesadas de longa gravidez, a palmilharem veredas ínvias de pedregulho e urze em busca daquela água milagrosa do Lima a cuja aspersão, sobre o ventre materno, uma antiga crença dos avós empresta a virtude de garantir a vida.

É preciso que exista uma ponte orientada no sentido norte-sul e ligando dois concelhos. A de Viana e Ponte de Lima não partilham dois concelhos, mas duas freguesias. Mas também servem nesta superstição popular.

Numa das noites do último mês, antes da meia-noite, a mulher espera a passagem da primeira pessoa que faça o baptizado com água tirada do rio, por um púcaro de barro suspenso duma corda. É preciso que alguém passe por acaso e não propositadamente e que antes desse alguém e depois da meia-noite não tenha passado «fôlego vivo», cão ou gato ou seja o que for. Pois o primeiro «fôlego vivo» terá que fazer o baptizado, e um irracional, «não tendo alma», é óbvio que a não pode dar. Portanto, se acontece que algum cão tresnoitado se escapa à sorrelfa, ponte fora, o remédio é voltar na noite seguinte à espera de melhor sorte.

E voltam sempre, mesmo em rijas noites de temporal, mesmo tendo de descer das altas serras onde sopra «o galeguinho» cortante como afiado guma.

A mulher vem acompanhada de marido ou parente, postado de sentinela à entrada da ponte. Um grito corta a noite: - «Faça alto!» Mas é logo brando o pedido em súplica macia que o varapau desmente, porque é baptizar ou não passar:

- «O senhor faz o favor de fazer uma alminha cristã?»

Tira-se a água do rio, com o clássico púcaro de barro suspenso da tal corda e a mulher avança descobrindo das roupas entreabertas o seu pobre ventre tumefacto.

- «Eu te baptizo em nome do Pai, do Filho, do Espírito Santo.»

Não sei porquê não se deve dizer «amén» nem falar qualquer nome.

Se vingam, as tais crianças crescem e vivem pela graça deste baptismo da meia-noite, pela virtude da água do nosso Lima. Mais tarde, se são montanheses daquela raça quase primitiva rija e seca de carnes que ainda hoje constróis cabanas de pedra nas «brandas» da serra com o tipo arquitectónico das velhas citânias celtas, morrem levando pão de milho e vinho verde, dentro do caixão, escondidos nas vestes para a passagem da barca dos mortos:

- Ao passares o rio Jordão

Bebe deste vinho e come deste pão!

E ainda são as coisas da sua terra que os acompanham na eternidade…

Maria Manuela Couto Viana

Bruxas, Feitiços, Defuntos, Aparições… - 1973

Fotos da Net

GOLDFINGER



1 comentário:

Mare Liberum disse...

Um legado interessante este que aqui nos transmites. Contos, tradições que de boca em boca foram passando e chegaram aos nossos dias. Felizmente ainda há quem os queira preservar passando-as a escrito.

Beijinhos