JÁ É UM COMEÇO... VEREMOS

Papa abre portas a anglicanos e admite padres casados

Constituição Apostólica que aceita anglicanos tradicionalistas deverá entrar em vigor dentro de semanas. Clérigos casados não chegarão a bispos

Ao contrário do que lhe é habitual, o Vaticano só na véspera alertou os jornalistas para a conferência de imprensa na qual ontem anunciou a publicação iminente de uma Constituição Apostólica assinada pelo Papa Bento XVI. Um pormenor que revela a importância do documento que entrará em vigor dentro de semanas. De facto, abre as portas da Igreja Católica aos anglicanos tradicionalistas, inclusive os padres casados que se queiram converter.

Numa conferência de imprensa que juntou o cardeal William Levada, Prefeito da Congregação para a Doutrina e a Fé, e Joseph Augustine Di Noia, secretário da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, o Vaticano esclareceu, no entanto, que "razões históricas e ecuménicas" continuam a excluir a ordenação de homens casados para bispos.

Ao mesmo tempo que Levada e Di Noia anunciavam a Constituição Apostólica em Roma, em Londres, o arcebispo da Cantuária, Rowan Williams, e o bispo de Westminster, emitiam um comunicado após um encontro. O primeiro afirmou não ver um "sinal dos problemas" da sua igreja nos pedidos de anglicanos para se juntarem à Igreja Católica - mantendo a sua herança litúrgica.

Acabado de chegar da capital britânica, o cardeal Levada, de fato preto e cruz cardinalícia, confessou aos jornalistas reunidos no Vaticano não ter tido "tempo para mudar de roupa".

Quando a Constituição Apostólica entrar em vigor 30 a 50 bispos anglicanos tradicionalistas e algumas centenas de fiéis irão converter-se ao catolicismo com aprovação do Papa. Anglicanos que não se revêem na Igreja fundada em 1534 pelo rei Henrique VIII de Inglaterra. Estes dissidentes denunciam, entre outros, a ordenação de mulheres e a celebração de casamentos entre homossexuais.

E se o Vaticano não esconde a felicidade com esta decisão, as primeiras críticas não se fizeram esperar. "Considero surpreendente a decisão de acolher grupos anglicanos convertidos ao catolicismo depois de, em tempos passados, fiéis anglicanos já terem passado para a Igreja C Católica sem necessidade de uma Constituição Apostólica", explicou ao DN David Richardson, representante do Primaz anglicano em Roma. O sacerdote admite que há duas questões que gostaria de fazer: "É o porquê e o porquê agora" desta decisão.

Uma das hipóteses avançadas ontem pelos meios de comunicação social italianos prende-se com a abertura, no dia 26, do diálogo com os integristas. Estes estiveram no centro de uma polémica recente quando o Papa levantou a excomunhão a um bispo integrista que negava o Holocausto. "Não acredito em coincidências", escreveu na revista italiana L'Espresso o editorialista Sandro Magister. E um analista comentava: "O Vaticano prova que se aceita fiéis perdidos há 500 anos também pode aceitar os que perdeu há duas dezenas de anos", em 1988, quando os integristas se separaram oficialmente da Igreja Católica.

Em Portugal, o bispo Fernando Luz Soares, representante da Igreja Lusitana (anglicana) classificou como um acto "positivo" o acolhimento da Igreja Católica aos clérigos e fiéis anglicanos que querem "comunhão plena" com Roma. A única dúvida do clérigo reside na forma como o Vaticano vai conciliar os padres casados com os padres "puros".

A Igreja Lusitana possui 18 clérigos para cerca de cinco mil fiéis em território português. Estes dividem-se por 16 locais de culto. A zona entre Vila Franca de Xira e Alcácer do Sal é onde se concentra a maior comunidade anglicana.

por MANUELA PAIXÃO, Roma DN Globo

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