Cimento, cal, açúcar e gesso na droga
Suspeita de droga adulterada, que terá provocado quatro mortes, assusta comunidade de toxicodependentes.
"Há muitos jovens. A grande maioria são estudantes. São predominantemente do sexo masculino. Depois, há também os de uma faixa etária até aos 50 anos. Há pais a comprar droga para os filhos. É um drama enorme." A descrição é de Ana Simões, responsável do projecto de apoio aos toxicodependentes da Cáritas Diocesana de Coimbra.
Todos os dias se depara com esta realidade. Para ela é outra a cidade dos estudantes. Graças ao projecto "In realidades", no Centro Comunitário S. José (situado no Bairro do Ingote, um dos mais problemáticos da cidade), Ana conhece toda a população dependente de Coimbra, que agora anda assustada depois das mortes recentes que foram relacionadas a droga adulterada. Trata-os pelo nome. Todos a conhecem por "Ani". Naquele centro, co-financiado pelo Instituto da Droga e da Toxicodependência, trocam-se seringas, dão-se caricas, toalhetes, folhas de estanho, ácido cítrico.
Carlos Ramalheira, director regional do Instituto da Droga e da Toxicodependência (IDT), refuta os números alarmistas avançados, que dão conta de nove mortes. Há quatro mortes a ser investigadas (ver texto ao lado). As equipas de rua "têm a convicção de que há uma cadeia de venda e revenda longa e complexa, na qual, para subir o lucro da droga, se junta cimento, gesso, cal, açúcar amarelo", relata ao DN.
É esta a causa comum nas mortes de vários jovens em Coimbra? Ainda ninguém sabe e os rumores adensam-se enquanto a Polícia Judiciária e a Medicina Legal unem esforços para dar a resposta aos magistrados do Ministério Público que tutelam o inquérito.
Por mês, só as equipas da Cáritas Diocesana fornecem perto de 14 500 seringas. Com a chegada de nova remessa ilegal, oriunda de outra zona do País, as autoridades estão atentas.
Fora das paredes jurídicas e da investigação, no submundo da noite, há quem, com a droga, faça o compromisso de viver mais um dia, sempre no limite da sobrevivência. O preço a pagar pelo vício, molda-lhes o corpo. "As 24 horas do dia são poucas para arranjar droga", explica ao DN, um rosto cheio de vida, mas cuja identidade omitimos a seu pedido. Ele, chamemos-lhe João, de 37 anos, está desde Agosto num programa de substituição. E fala, já abertamente, do seu passado recente. "Sofia", não. Encontrámo-la à meia-noite: dos seus 27 anos, oito são para a droga. Confessa que, com o medo que paira por causa das mortes suspeitas, "em vez de injectar" agora fuma. Sofia é uma entre centenas de pessoas referenciadas pelas equipas de rua da Cáritas.
Tanto no centro da Cáritas como no Terreiro da Erva, na baixa da cidade, há balneário. Dão-se refeições ligeiras na Baixa. Todo este projecto funciona das 09.00 até às 23.00. Mas, noite dentro, Ana Simões e Ivo Matias, seu colega de equipa, ainda circulam numa carrinha, à procura de quem precisa de ajuda. A viagem queda-se por momentos junto a um abandonado edifício fabril da Baixa. Lá dentro, sem tecto, dormem seis pessoas. Há seringas pelo chão e muito silêncio...
À noite, os códigos deste circuito ilegal trazem à tona o sofrimento de tantos. Os medos redobram com as notícias trágicas. Coimbra já quase adormece, mas ainda há quem peça a Ani mais seringas.
DN Portugal/ PAULA CARMO
Foto do DN Portugal
GOLDFINGER
2 comentários:
Infelizmente, meu amigo, ese facto de a droga ser profundamente adulterada é muito antigo.
Que Deus nos ajude...
Uma feliz semana.
Ainda: a Livraria é bela.
um tema muito melindronso e de muita matéria, não caba nunca, porque não convém a tantos chamados de "grandes"
em calda, há uns anos, aconteceram umas mortes também por mistura de pão ralado, gesso, farinha, cal...
se injectam, não há volta a dar...
é urgente que se faça alguma coisa por estes jovens e outros já não tão jovens...
beijinhos
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