sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

HOJE SENTI-ME ALENTEJANO



Não sei o que me aconteceu hoje. São daqueles dias em que acordamos melancólicos, com uma vontade tremenda de passear por entre montes e vales, cheios de arvoredo e sentir um cheirinho a campo.

A vontade era mesmo essa e por momentos lembrei-me do Alentejo, daquele que aprendi a conhecer, onde cada pedra nos conta uma história daquela gente trabalhadora, habituada a queimar o corpo à torreira do sol.

Confesso-vos que ao longo da minha vida nunca tive uma boa relação com a região. Não me perguntem porquê. Sempre viajei muito por razões profissionais e as experiências que tive naquela província, não foram as melhores.

Mas, quis a vida que tudo se alterasse. Há quase vinte anos atrás, por força da boa relação que tinha com os meus funcionários, fui presenteado por um deles, no dia em que fiz 40 anos, com um grupo de música popular portuguesa, “OS BANZA”, que quiseram mostrar-me como tinha andado enganado durante tantos anos.

Todos, ou quase todos, oriundos do Alentejo, fizeram-me acreditar naquele dia, que o mais importante do mundo era a amizade e a prova disso é que passados estes anos todos, vou de propósito longe para os ouvir cantar nas festas em que participam. E é uma alegria quando nos revemos, como aconteceu recentemente em Alcochete.

Deixo-vos um cheirinho deste grupo de amigos, gente que tem a alma na voz e a alegria de alguém do povo que não mente.









Pois é, uma das músicas que mais me tocam desde sempre, é precisamente a que se intitula SOU MOIRAL. A imagem do pastor e o seu rebanho é frequente no Alentejo. Num bocadinho da letra da música, fica espelhado o retrato daquela gente.

Diz assim a música:

“Bom dia camponês trabalhador / Bom dia a alguém do povo que não mente / Não há nada no mundo com mais valor / Que a verdade do trabalho dessa gente # E a verdade do trabalho dessa gente / É a razão, é o sentir, é o amor / Bom dia a alguém do povo que não mente / Bom dia camponês trabalhador # Sou moiral, sou moiral, sou moiral / Criado ao rigor do tempo / Ninguém sabe quanto vale ser moiral / À chuva, ao frio e ao vento # À chuva, ao frio e ao vento / Guardar gado é sempre igual / Criado ao rigor do tempo / Sou moiral, sou moiral, sou moiral”

O CANTE ALENTEJANO

O "cante", "património vivo" do Alentejo, é uma expressão genuína da tradição vocal profundamente enraizada na alma do povo alentejano, determinante para a conservação da sua identidade cultural e que constitui simultaneamente uma referência fundamental da região.

O modo de cantar e o amor ao "cante" estão intrinsecamente ligados à memória do tempo em que os cantadores tinham uma ligação profunda ao trabalho e ao mundo rural. Mesmo com essa memória e esse tempo a desaparecer, o "cante" mantém intactas as características da sua expressão vocal, a solenidade e a paixão na sua interpretação. Desse modo, o "cante" dificilmente será cantado e interpretado fora do contexto em que nasceu, ou seja, no Alentejo e pelo povo alentejano.










Este povo trabalhador, como diz a canção, foi cantado por tantos e é pátria de muitos heróis deste nosso cantinho à beira mar plantado. Povo sofrido, lutador, vergado ao peso do trabalho, queimando a tez sob o poder do Sol, solidário, foi-me dado a conhecer melhor, quando uma filha se casou com um alentejano genuíno, e esse facto apenas veio reforçar o que já sentia pelo Alentejo e suas gentes. Duas netas completam o ramalhete, também elas alentejanas de gema. Foi de tal ordem a paixão, que acabámos por reconstruir uma velha casa da aldeia de cujo terraço víamos diariamente um enorme rebanho, o seu pastor e os seus cães. Foi ali pelo Alto Alentejo que passei horas a fio a pescar numa barragem perto de casa.

Não são fáceis e acessíveis no primeiro trato os alentejanos, mas quando travam amizade e ganham confiança, mostram bem a raça de que são feitos. Então a alma vem ao de cima e sentimo-nos como em casa.

SOBRE O POVO ALENTEJANO DISSE MIGUEL TORGA:

“ (…) Mais do que fruir a directa emoção dum lúdico passeio, quem percorre o Alentejo tem de meditar. E ir explicando aos olhos a significação profunda do que vê. Porque cada propriedade se mede por hectares, são em redil os aglomerados, respeitosos da extensão imensa que os circunda, e um suíno, ou relegado à sua malhada, ou a comer bolota no montado, não faz parte da família, – é que o Alentejano pôde guardar a sua personalidade. E talvez nada haja de mais expressivo do que esse limite nítido entre a intimidade do homem e a integridade do ambiente. Assegura-se dessa maneira a conservação duma dignidade que o bípede não deve alienar, nem a paisagem perder. Se há marca que enobreça o semelhante, é essa intangibilidade que o Alentejano conserva e que deve em grande parte ao enquadramento. O meio defendeu-o duma promiscuidade que o atingiria no cerne. Manteve-o vertical e sozinho, para que pudesse ver com nitidez o tamanho da sua sombra no chão. Modelou-o de forma a que nenhuma força, por mais hostil, fosse capaz de lhe roubar a coragem, de lhe perverter o instinto, de lhe enfraquecer a razão. E é das coisas consoladoras que existem contemplar na feira de qualquer cidade alentejana a compostura natural dum abegão, ou vê-lo passar ao entardecer, numa estrada, com o perfil projectado no horizonte, dentro do seu carro de canudo. É preciso ter uma grande dignidade humana, uma certeza em si muito profunda, para usar uma casaca de pele de ovelha com o garbo dum embaixador. Foi a terra alentejana que fez o homem Alentejano, e eu quero-lhe por isso. Porque o não degradou, proibindo-o de falar com alguém de chapéu na mão (…)”.

Hoje senti-me alentejano! Com muita honra!

GOLDFINGER


3 comentários:

Maria disse...

Ah, esta caixa SIM!!!
Sabes que não foi difícil reconhecer-te quando me apareceste lá, e quando aqui cheguei tive a certeza! Que bom!

O Alentejo atrai-me imenso, e tenho boas recordações tanto do alto como do baixo Alentejo. Só é pena o excessivo calor no verão. Mas em Aviz está-se bem, com o Maranhão ali ao pé… ☺
Não conhecia o grupo Banza, mas o cante, o do grupo do video abaixo, é que me arrepia, mesmo…
Ainda há pouco tempo estive com o Grupo dos Mineiros de Aljustrel e à medida que eles passavam, passo compassado, o povinho calava-se para os ouvir cantar…

Obrigada, Goldfinger.

Beijinho

Mare Liberum disse...

Alentejo! Meu Alentejo! Que saudades lhe tenho! Sabes que o Alentejo confina com esta serra onde nasci e desde menina me habituei às suas gentes, ao seu cante, aos seus aromas e sabores, à sua hospitalidade...
Conheço bem esta região vizinha e tenho-lhe uma paixão tão grande que não está posta de parte a ideia de, em breve, começar a passar lá grandes temporadas.
Jinhos, Gold! Tem um bom dia!

Anónimo disse...

Bom dia.
Confesso que nunca sinto muitas saudades do Alentejo. Digamos que sou mais fã de Natários, etc etc...