segunda-feira, 20 de julho de 2009

RADIOGRAFIA DE UM GOLPE DE CHARME – PARTE II





Nos dias anteriores ao da acção, Amândio foi, de madrugada, sozinho a Rabat, de autocarro, comprar seis bilhetes para o voo CasablancaLisboa, do dia 11 de Novembro; Camilo foi alugar dois carros, separadamente, escondendo um deles, depois foi mandar imprimir 100 mil panfletos; Helena colocou as pistolas à volta da barriga e ia passear-se para o café onde estavam os pides, para ganhar confiança. Uma noite, chegou a dançar com Amândio à frente deles, provocadora, bamboleando a cintura cheia de pólvora.

Quando o primeiro carro partiu rumo à cidade portuária de Tetuan, os pides, que foram atrás dele, acreditaram que ia realizar-se uma operação subversiva por via marítima, e alertaram as autoridades em Lisboa.

O segundo carro, que estava escondido, partiria um pouco mais tarde directamente para Casablanca. O primeiro, conduzido por Camilo, acelerou de súbito até aos 160 km/h. Quando os polícias ficaram para trás, tomou uma estrada secundária para Casablanca e rodou durante 10 quilómetros de faróis apagados.

Não havia lua, o breu era total na abafada e húmida noite africana e Camilo lançava-se na estrada sinuosa como se fechasse os olhos com força, para náo pensar em nada.

"O
intelectual, posto perante a necessidade de agir, terá sempre uma tendência a querer saber mais, a informar-se, a analisar melhor. Isso bloqueará a sua capacidade de acçáo", reflectiria Camilo mais tarde. "O homem pouco habituado às abstracções terá uma tendência contrária, no sentido de agir antes de saber o essencial".

Camilo era, no grupo, o intelectual e o pragmático mais determinado. Não conseguia impedir-se de agir nem de pensar. Sempre fora assim, desde a infanda, no bairro lisboeta do Alto do Pina, onde vivia numa casa sem água corrente... "Eu vivia no pátio, era um menino do pátio. Ao domingo ia tomar duche ao carvoeiro da esquina por 15 tostões. Sentia que, por ter nascido pobre, eu não contava, não era ninguém. Nem podia olhar para a miúda da minha rua, que vivia numa casa normal..." Aos 16 anos, fugiu para a Venezuela. "Náo posso dizer que nessa altura fizesse uma análise política da situação... Não.

Era um sentimento de que nada havia a fazer. Eu não tenho futuro! O que é que vou fazer?" Foi na Venezuela que conheceu outras pessoas também com vontade de agir. "Há uma coisa que é natural. Quando uma pessoa se sente agredida, humilhada, por alguém que tem uma pistola na mão... talvez, na altura, vire as costas, sofra a humilhaçáo, mas é natural que pense; 'Deixa lá, meu menino. Agora estás armado, mas à primeira oportunidade que eu possa...hei-de, pelo menos, equilibrar as coisas'. Traçaram-me um carril e eu tenho de andar pelo carril. Mas eu náo quero andar pelo carril. Acho que sempre que um ser humano seja tratado como coisa, não seja livre de criar, de se exprimir, e de se organizar com outros, toda a violência é legítima. E isso que se sente. Era isso que eu sentia. Mas nenhum homem pode julgar os outros tomando por referência aquilo que sente".

Só à chegada a Casablanca é que explicaram a João Martins, um algarvio que tinha sido enviado pela resistência em França como reforço, devido ao seu aspecto assustador, o que tencionavam fazer. "Vamos assaltar um avião. Alinhas?" Martins pareceu meditar durante dois segundos. Depois disse cheio de convicção: "Oká!"



Paulo Moura

Foto da Net

GOLDFINGER



1 comentário:

Filoxera disse...

Ai, nunca mais vou põr a leitura em dia!...
beijnhos.