José Paulo era casado com uma rapariga chamada Rita Roláo Preto, filha do famoso Roláo Preto, um líder do movimento fascista dos Camisas Azuis que nos anos 30 fora expulso para Espanha e se fixara na região de Cáceres. O velho Roláo Preto fizera amizade com o Comandante da Polícia secreta de Cáceres, o tal Joaquin Cabrera, que depois o ajudara muitas vezes a safar contrabandistas amigos que eram presos na fronteira. Ora no casamento de José Paulo com Rita, realizado na quinta de Roláo Preto, esteve presente como convidado nada menos que D. Joaquin, que por sua vez convidou o noivo para uma tourada, do lado de lá da fronteira...
"Telefone por favor ao D. Joaquin Cabrera", disse José Paulo aos boquiabertos polidas, "diga-lhe que está aqui o marido da filha do dr. Rolâo Preto, que o quer visitar . Os polícias obedeceram e, poucas horas depois, os três revolucionários dormiam num hotel aconselhado pela "secreta" espanhola, pela manha, José Paulo fez uma visita de cortesia ao circunspecto Cabrera, que, apesar de estar seguramente informado dos propósitos dos revolucionários, por respeito ao velho amigo lhes deu todas as instruções de como chegar à fronteira por Villanueva dei Fresno.
Ainda receando ser esperados pela Pide à chegada, os três agitadores optaram por ir primeiro a Salamanca, vaguear de autocarro e de táxi pela região, e entrar a pé
Chegados ao país, dividiram-se, para cumprir a sua missão: Manuel Serra foi para Caldas da Rainha, José Paulo para Viseu, e depois para o Porto, Raul para Lisboa. Duas semanas depois, como combinado, encontraram-se os três em Lisboa para darem conta dos sucessos de cada um no incitamento dos militares à revolta.
Decepção. Não tinham conseguido nada. Nem um só elemento das Forças Armadas se comovera com os seus argumentos. Ignoraram-nos.
Chamaram-lhes malucos. Dos três, só Manuel Serra se obstinou em não desistir. Separou-se dos outros e continuou sozinho, até lograr, já no fim do ano, organizar a revolta de Beja. Quarenta anos mais tarde, José Paulo diria, num suspiro: "Não gosto muito de falar nestas coisas. Tenho a sensação de que falhámos sempre".
A Tânger chegou a mensagem, em código: não há condições para a revolução neste momento.
Talvez daqui a três ou quatro meses. Abortar a operação.
A vida em Tânger não era fácil para o grupo de operacionais. Tinham ido para Marrocos com os escassos fundos angariados junto de alguns anti-fascistas portugueses exilados no Brasil.
Amândio, com a capacidade de organização que lhe reconheciam, era quem geria os recursos. A rotina do grupo, Galvão incluído, era austera: de manhã, tomavam um café; às 4h00 da tarde, ingeriam a única refeição do dia, sopa e um prato, numa tasca espanhola que fazia um preço especial; à noite, bebiam um copo de leite. Tudo isto acompanhado de muitos exercícios físicos, para se manterem em forma até ao momento da grande acção.
Perante a notícia de que a revolução não era possível no momento, que fazer? Não tinham dinheiro para se manterem em Tânger mais alguns meses, à espera da altura propícia. Aliás, nem tinham dinheiro para o bilhete de regresso ao Brasil. Foi principalmente esta circunstância, e a falta de coragem para dizerem aos seus financiadores que não tinham feito nada, que determinou a decisão que foi tomada. Numa reunião de emergência, em que nem todos estiveram de acordo, optou-se por manter a operação do avião. Não para apoiar a revolução em curso, mas simplesmente como acção de propaganda, uma espécie de golpe de charme da oposição não-comunista, tanto mais que se estava nas vésperas de eleições
Paulo Moura
Foto da Net
GOLDFINGER
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