terça-feira, 21 de julho de 2009

RADIOGRAFIA DE UM GOLPE DE CHARME – PARTE III






Hermínio da Palma Inácio sempre foi louco por aviões. Em 1951 chegara aos EUA, após uma fuga da prisão do Aljube, onde foi parar por ter sabotado os aviões da base de Sintra, operação integrada numa intentona que correu mal. No Massachusetts, tirou o brevet, tornou-se instrutor e voou sobre o país inteiro até ser preso e ir parar ao Brasil, onde trabalhou em empresas ligadas à aviação e de onde seguiu a aventura eleitoral de Humberto Delgado, em 1958.

Pouco depois, é o próprio Delgado a chegar ao Rio de Janeiro. A seguir, em Janeiro de 1961, Henrique Galvâo, com Camilo Mortágua, protagoniza o espectacular assalto ao Santa Maria.

Depois de muitas peripécias, o navio acaba por atracar no Brasil, onde deixa Galvão e Camilo.

Em Portugal, a proeza enfurece a Pide, que começa a prender a torto e a direito. Um grupo de operacionais não militares que tinha participado na revolta da Sé, em Março de 1959, achou que era altura de coordenar a acção a partir do estrangeiro, e pediu asilo político na embaixada do Brasil, mal tomou posse na Presidência brasileira um homem que desde sempre mantivera distância em relação ao Governo de Salazar: Eugênio Quadros.

Amândio Silva, Manuel Serra, Raul Miguel Marques, José Paulo da Silva Graça chegaram todos ao Brasil pela mesma altura, com a intenção de lançar a revolução em Portugal sob a liderança de Henrique Galvão e Humberto Delgado.

Mas os dois líderes não se entendiam. Galvão considerava-se o chefe operacional e achava que a Delgado, a quem todos chamavam Sr. Presidente Eleito, devia ficar reservado o papel de líder político. Delgado considerava que, na situação em que estavam, não fazia sentido a distinção, e queria chefiar tudo. Era uma luta por protagonismo mas também por diferentes estratégias de acção, que acabou por levar os dois a uma ruptura formal, numa reunião supostamente conciliadora convocada pêlos operacionais em que Delgado se enfureceu e saiu porta fora.

Os operacionais convocaram outra reunião, sem Delgado nem Galvão, e decidiram organizar eles a sublevação, e concretizá-la, a despeito da luta de galos dos chefes, nem que para isso fosse preciso enganá-los.

Eis o plano, basicamente concebido por Galvão, que deveria ser posto em prática a partir de Marrocos: três operacionais partiriam clandestinamente para Portugal, com a missão de aliciar militares para uma revolta contra o regime.

As hipóteses seriam, ou tomar um quartel a Sul, como o de Beja, a partir do qual a revolução partiria para Norte, com ajuda de países do Norte de África, ou conquistar um quartel a Norte com capacidade de resistir durante meses, para que a revolução germinasse a partir daí.

Quando a insurreição tivesse começado, seria enviado, por código, um sinal verde para Marrocos, onde outro grupo de operacionais desviaria um avião comercial. Com Galvão e Delgado a bordo, o avião aterraria algures nas imediações do foco da revolta, de onde os dois carismáticos líderes oposicionistas encabeçariam a marcha de tomada do poder. O avião deveria ainda lançar sobre todo o país 100 mil panfletos incitando à revolta, que chegaram a estar impressos, com instruções precisas de guerrilha — como confeccionar um cocktail Molotov, como sabotar uma ponto ou os acessos a uma cidade, etc.

Paulo Moura

Foto da Net

GOLDFINGER


2 comentários:

Mare Liberum disse...

Um testemunho muito interessante para todos. No entanto, prestas um contributo muito importante aos mais novos que pouco conheceram da resistência à cruel ditadura que durante 48 anos nos governou com mão inclemente e injusta.

Beijinhos

Bem-hajas!

Elvira Carvalho disse...

Muito interessante o reviver da nossa história através destes posts.
Penso que já lhe disse que por causa do 3º filho também tenho pesquisado muito a história dos últimos 90 anos.
E tenho descoberto coisas que nem sonhava.
Um abraço