quarta-feira, 22 de julho de 2009

RADIOGRAFIA DE UM GOLPE DE CHARME – PARTE IV





A primeira parte do plano foi posta em prática.

Os operacionais, Galvão e Delgado incluídos, começaram, em pequenos grupos, a sair para Marrocos. Raul Miguel Marques, um casapiano com grande habilidade manual, encarregou-se de falsificar os passaportes, que eram válidos apenas para o Brasil. Acrescentou: "Este passaporte também é válido para os seguintes países... e inscreveu a quase totalidade dos estados do mundo. Depois, aproveitando o carimbo de uma empresa ditosamente chamada Consórcio Geral de Portugal, mudou o "órdo" para "ulado" e falsificou a assinatura do cônsul por cima.

Raul, Miguel Serra (que militara na Juventude Católica e passava agora muitas horas a rezar para que a falsificação dos passaportes não fosse descoberta) e Amândio Silva foram os primeiros a partir, primeiro para Paris, depois para Amsterdão, onde Amândio foi "salvar" o operacional Jaime Conde, contacto de Fernando Oneto, um dos líderes da revolta da Sé, que entretanto fora preso. Conde estava num barco no porto holandês, desconhecendo a detenção de Oneto e a consequente iminência da sua própria prisão. Pela calada da noite, Amândio entrou clandestinamente no barco e levou o companheiro para uma embaixada onde pediu asilo político. Só depois rumou a Tânger.

Palma Inácio, Camilo Mortágua, José Paulo da Silva Graça partiram a seguir, com encontro marcado com Galvão em Roma, que não chegou a concretizar-se porque as autoridades italianas nunca tinham "compreendido" o assalto ao Santa Maria. Delgado chegou também a Marrocos, e instalou-se num hotel em Casablanca, para ficar o mais longe possível de Galvão.

Numa derradeira tentativa de sensibilizar os dois líderes para a necessidade de ultrapassarem divergências, Serra, Raul e Amândio alugaram um carro e foram a Casablanca. Era uma operação-relâmpago, ou pelo menos assim a entendia Amândio, que assumiu o volante com viril afoiteza. Ao passar em Alcácer Quibir, não se sabe se por causa do nevoeiro, consta que um beduíno se postou no meio da estrada. Para poupar o autóctone, Amândio guinou para a esquerda e entrou em contramão numa curva, onde vinha outro carro, em sentido contrário. Amândio emendou para a direita, de forma tão resoluta que um pneu rebentou, e em consequência a velha carcaça desceu uma ribanceira, subiu outra ribanceira e acabou estampada contra uma árvore.

O condutor foi levado, com um traumatismo craniano, para a maternidade de Alcácer Quibir, onde um médico lhe coseu a cabeça à pressa, esquecendo-se de limpar a terra e outros detritos, e onde ficou internado. Só um mês depois outro médico se decidiu a lancetar-lhe, sem anestesia, a cabeça, entretanto toda infectada, para retirar a terra de lá de dentro. Dias depois, Amândio estava bom, mas não a tempo de ir para Portugal iniciar a revolução, como estava previsto. Decidiu-se que José Paulo da Silva Graça partiria em seu lugar e Amândio passou a integrar a equipa do avião.

José Marcelino, piloto da TAP, então na casa dos 40 anos, era um homem casado que gostava de viver a vida. O pai tinha sido um republicano activo mas ele optara por ignorar a política, dedicando-se ao trabalho, na aviação, e, nas horas livres... às miúdas.


Paulo Moura

Foto da Net

GOLDFINGER



2 comentários:

São disse...

Muito bem, é indispensável guardar memória.
Principalmente nestes tempos conturbados...

Um grande abraço, Amigo!

Mare Liberum disse...

Bem-hajas, pelo excelente trabalho que nos tens trazido. Não podemos deixar cair no esquecimento quem tanto lutou por um regime livre. Nasceu pobre, cresceu pobre, morreu pobre mas tinha uma alma rica e esta é muito importante.

Beijinhos mil